domingo, 22 de junho de 2014

George Prazeres entrevista Ediney Santana


GP- Como podemos entender a importância da literatura na sociedade contemporânea?


E- A literatura sempre teve importância em todas as gerações, não por acaso em sociedades governadas por déspotas ou ditadores, escritores sempre foram os alvos principais desses regimes. Literatura não é só entretenimento, como acontece em outras artes, literatura é base para nossa formação, nos tornar presentes no nosso próprio tempo histórico e nos traz uma dimensão mais clara da própria história.


GP-Até que ponto na sua visão a filosofia e literatura podem ajudar na formação de uma sociedade mais humana?

E- Tornar-se humano, essa invenção filosófica, ou ilusão sociológica adoçada pelo sentimento tão ilusório das religiões que a própria filosofia e religião podem ser caminhos exclusivos para o bem me deixa cético em respeito a nossa presença na natureza como agentes pretensamente civilizatórios. A literatura enquanto arte pode servir de afirmação parasitária para algum poder como pode também ser contestadora desse mesmo poder. No entanto meu ceticismo não me deixa caduco velando a tristeza do mundo, creio que essa mesma filosofia pode aqui em nosso país nos revelar neste presente momento aquele “ergue-se gigante” que tanto esperamos, a literatura nos torna mais capazes, nos revela de maneira lúdica o que às vezes somos e não enxergamos ou  que tememos descobrir que somos, por trás disso tudo vivo a esperar esse encontro entre o ser animal e essa inventada humanidade que acreditamos ser o nosso melhor.


GP- Artur Rimbaud dizia: “A Moral é a debilidade do cérebro” o anti-otimismo da filosofia realista e literatura realista pode ser compreendida pelo argumento de Rimbaud?

E- Não temos uma moral própria, toda moral é herdada, vem com os costumes, quando nascemos geralmente nossos pais escolhem (por exemplo) nossa religião, ao longo dos anos nossos gostos que achamos ser escolhas nossas muitas vezes foram construídos socialmente, a ideia de que cada um tem seu gosto e isso  não se discute é equivocada, na universidade somos obrigados a seguir linhas de pensamentos estabelecidas por convenções não assinadas por nós, neste sentido Rimbaund diz a verdade, ele contesta a moral que somos obrigados a seguir.
Diante da questão moral e da necessidade de renovar nossa visão sobre o mundo muitas vezes estamos na encruzilhada entre a imoralidade e a amoral que são duas coisas diferentes. Quanto ao anti-otimismo da filosofia e da literatura realista penso que olhar o mundo de maneira mais sóbria e menos carnavalesca ou romantizada nos permite entender melhor as teias intricadas das relações humanas, esse pensamento, em minha opinião, realista não nos leva para uma visão deprimida do mundo e sim para uma visão que nos releva nossas franquezas éticas e de caráter, a imoralidade cotidiana apresentada de uma maneira que quase não conseguimos contestá-la, muitas das vezes encontramos personagens terríveis em algum romance e nos identificamos com ele e por que isso acontece? Porque de alguma maneira nele encontramos traços da nossa própria personalidade.
Minhas crenças não são suficientes para que eu interprete o mundo, eu sou eu o que acredito, mas também sou outra realidade para além de mim, que por mais que eu negue, essa realidade existe.


GP-Prof. Ediney Santana em sua palestra na Jornada pedagógica 2014, na cidade de Saubara, você falou sobre a “Pedagogia da Ignorância”, explique como ela pode ser compreendida e combatida levando em consideração o sistema educacional publico e privado no Brasil.

E- A Pedagogia da ignorância nos leva crer que se pode tirar algum proveito da debilidade intelectual, o conhecimento é tratado de maneira secundária, às relações de amizades e poder passam a valer mais que o estudo e nossa capacidade de conseguir algo pela força do conhecimento intelectual, mas vale apertar a mão de um poderoso, servir-se das suas migalhas que entrar em uma biblioteca. A escola neste sentido, a escola pública, é o alvo principal dessa Pedagogia da Ignorância, toda estrutura cognitiva de ensino e aprendizado é abalada, pessoas são ensinadas a pensar errado por pessoas que aprenderam errado e ensinam errado, é triste constar, por exemplo, que um número gritante de estudantes das universidades ao fim do curso não conseguem escrever um TCC e contratam alguém para escrever, não sentem nenhum tipo de remorso por isso e ainda fazem festa de formatura, festejam sem saber, creio, a diplomação da ignorância de cada um.
Fui aluno de escola pública, tenho deficiências graves, mas estou sempre estudando tentando melhorar, não dou trégua para minha ignorância. O pior, no entanto, da Pedagogia da Ignorância é o estabelecimento no poder de uma espécie de políticos que não importa a que partidos pertençam sempre vão vigorar no poder, trocam nomes e siglas, mas a Pedagogia da Ignorância vai sempre reservar o poder para eles. Tudo isso explica porque o Brasil tem um dos piores sistema de ensino do mundo, tudo isso não isenta a educação privada que geralmente educa para a indiferença social, pragmática e fria.


GP- Qual seu ponto de vista sobre literatura de Autoajuda e espírita?

E- É literatura que serve para determinado público e que de alguma maneira faz bem para esse público, o problema é quando se alimenta sempre de uma mesma fonte, sem deixar espaço para outras visões de mundo.


GP- Como você vê a literatura religiosa e sua importância?

E- Eu gosto de muitos textos bíblicos, hindus, já li muito aqueles livrinhos dos Hare Krishna, li muito o Bhagavad Gita, livros espíritas. Creio que sou um sujeito místico, todos esses livros tem importância, todos tem algo de bom a nos dizer, para mim Deus não é autor de livro algum, não é sectário de religião alguma, cada um pode exercer sua religiosidade da maneira que se sentir em paz, mas isso não diminui a importância desses livros que muita gente tem como sagrados, saber limitar nossas crenças aos nossos corações nos impede de nos tornar intolerantes, profanar com o ódio uma das bases de todas as religiões: o amor!



GP- No Brasil o processo de estabilidade profissional é muito difícil, pequenos autores também enfrentam dificuldades em publicar e promover seus livros. Como você enfrenta essas dificuldades?

E- Há algo muito perverso no Brasil, o sobrenome ainda é mais importante, em muitos casos, do que a real importância de uma pessoa para aquilo que se propõe a realizar, ainda há o pavoroso culto à personalidade, eu já publiquei oito livros, mas como nunca apareci na TV ou algum famoso disse que gosta da minha literatura para a maioria das pessoas sou insignificante como escritor, porque se confunde a fama, o estrelato com a razão de ser da pessoa ou a importância do seu trabalho, isso é outro fruto da Pedagogia da Ignorância, isso é atrapalha, mas não desmotiva.
Promovo meus livros de maneira tranquila pela internet e em palestras que faço, sem pressa, sou um escritor não uma celebridade da novela das oito, mas no fim todo mundo encontra seu público.


GP-Como você vê o evento da Bienal do livro no Brasil e o grande auge das publicações de livros digitais?

E- Bienais são “festas” para editoras, lá elas promovem seus livros, convidam escritores apenas como manequins de luxo para esquentar as vendas. Livro digital é mais uma mídia importante, nos ajuda a circular pelo mundo digital, vai conviver pacificamente com o livro de papel, a literatura vai além do formato que é apresentada, o que vale no fim é a capacidade do autor de tocar seu público seja em papel, áudio ou digitalmente. Um dos grandes desejos que tenho é que meu romance Urbem Angeli seja adaptado para desenho animado e filme.


GP- Com qual ideia você pretende mudar o mundo?

E- (risos) Quero mudar não, nem seria uma mudança boa, o mundo muda com a soma dos desejos de todo mundo, quando todo mundo pode realmente desejar, porque infelizmente estão desejando por nós, na maioria das vezes acreditamos que o que estamos desejando é realmente algo que vem de nós, seria bom ter a segurança de que tudo que sentimos, nos apaixonamos e desejamos representa mesmo nossa vontade para e com o mundo.


GP- Qual a sua razão de viver?

E- A busca sempre e constante da felicidade. Já vive em muitas estruturas de trabalho, já andei entre pessoas bem pequeninas e pobres e entre gigantes e poderosos, já bebi cervejas quente com os pobres como eu e fiz noitadas com gente tão gelada e seca quando uma garrafa de uísque, já disse adeus a muitos amigos, amei e fui amado, odiei e fui odiado, mas assim como um dia cantou Édith Piaf: “não me arrependo de nada”. Hoje passo os dias calmos, gosto de encontros calmos, ir a galerias de arte, cinema, teatro, ficar com minha família  e nisso tudo minha razão de viver é ser feliz e não fazer mal a ninguém.

Ediney Santana foi entrevistado por George Prazeres, professor de filosofia, articulista político e militante religioso. Professor George Prazeres atua nas cidades de Salvador e Saubara-Bahia.
Salvador 20 de junho de 2014.



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