sábado, 21 de junho de 2014

Entrevista para estudantes portugueses

Foto: Renata Madureira 
Entrevista concedida via e-mail para estudantes de Letras- Portugal:

L- Você já escreveu oito livros, mas é pouco conhecido no Brasil, a que se deve essa sua ausência do grande público?

E- Eu vivo e escrevo no interior do nordeste brasileiro, longe dos grandes centros, não tenho redes de contatos, redes de contatos com jornalistas e pessoas da mídia, ao menos aqui isso é muito importante e pode decidir o futuro de alguém, seja nas artes ou até na política, por outro lado escrevo em contradição com que se faz hoje no país, há uma busca, na literatura contemporânea, em desvendar os “mistérios” das coisas, minha literatura é mais áspera e objetiva, ainda há o fator político, minha ruptura com o partido comunista e posição de crítica ao governo certamente dificulta a divulgação da minha literatura.

L- Ao falar da sua ruptura com o partido comunista e que isso pode impedir a divulgação da sua literatura, você acha que há censura no Brasil?

E- Oficialmente não, mas há a censura ideológica e do medo, você posta algo na internet as pessoas olham, mas não compartilham, não comentam, poucas pessoas no Brasil tem independência intelectual, o governo e sua militância não aceitam críticas, sem falar na cooptação de artistas, o governo é um grande produtor artístico.

L- Em seu ultimo livro e primeiro romance você cria uma negativa sociedade, podemos dizer que é uma visão pessimista das relações humanas e política? Você acredita que perdemos a capacidade realizarmos coisas boas através da política?


E- Urbem Angeli é um romance seco, é como sinto essa atual sociedade, promíscua e permissiva com os crimes políticos, o Brasil não vive um bom momento, estamos sitiados em guetos, ora religiosos, ora de “gêneros” e até étnicos que fingidamente dizem lutar por direitos civis, mas por trás de cada suposta boa intenção salvadora há a velha busca pelo poder político e pela afirmação desse poder, enquanto no dia dia o povo vive em completo abandono, não nego que há pessoas sinceras e que desejam um país melhor, mas esses são a minoria, ilhadas também em seus guetos de impotência, o Brasil de hoje é egoísta e hipócrita, direita e esquerda se confundem no mar de lama que inventaram para eles mesmos. Perder a fé, mesmo assim, completamente na política seria o pior dos caminhos, ainda tenho algo de crenças, é preciso mantenho a esperança, como aquela que em Urbem Angeli posou em Joana.

L- Você é autor de livros de poemas, o que a poesia tem a nos dizer nos dias de hoje?

E- Há uma questão que sempre digo: os cursos de letras e escolas fizeram um desserviço à poesia, muita gente acredita que poesia é para cantar o “belo” e tão somente esse “belo”, eternizaram a ideia do poeta mártir e o pior, que “poeta bom e poeta morto”, necrofagia literária.
A poesia é a arte por excelência de todas as contradições da vida, há poesia no que julgamos bonito tanto quando no que dissemos ser feio, a poesia tem a nos dizer que estamos sentados sobre o lixo do mundo, mas que sobre nossas cabeças o céu continua azul, há caminhos entre palavras e sentimentos. 
Editoras grandes e com poder de divulgação não editam poetas contemporâneos, por isso penso que o governo deveria colocar no ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) autores não só poetas, no programa de provas, isso em pouco tempo renovaria a literatura nacional e daria animo para os autores publicarem seus livros e editoras editaram também esses novos autores.

L- O Brasil tem fama de país que se lê pouco, é verdade?

E- Em algum lugar no passado isso era verdade, mas agora isso perde força, claro, ainda não estamos em um bom nível de leitura, mas estamos avançando, já somos um dos países no mundo que mais edita livros, se editamos lemos também. Grandes editoras multinacionais estão aqui, editoras como o Clube de Autores, que edito meus livros, tem um número enorme de autores, logo logo seremos um dos países que mais se ler no mundo.

L- Otimista (risos)

E- Não se esqueça, este é um país de contradições gigantescas, continentais, você pode mudar de lado em uma rua e sair do terceiro mundo para o primeiro, ir da Urbem Angeli a Paulo Coelho, nossa essência não é a linha reta, como escreveu Fernando Pessoa, nós andamos sempre na linha torta, Deus aqui mais que em qualquer outro lugar escreve certo por linhas tortas.

L- Você também escreveu canções, teve bandas, como foi isso?

E- Eu nunca fui músico ou cantor, no começo dos anos de 1990 tinha vontade de dizer coisas, mas nem sonhava em lançar um livro, era algo distante, então meu pai me deu um violão (tenho até hoje) e comecei a fazer umas músicas, mas tudo em função da palavra e não da música em si, um dia juntamente com Preto Paulo (Marcos Paulo) criamos a Som Marginal, depois Flor Marginal, ao encontrar o Marquinhos, tudo se encaminhou, ele tinha a voz o talento para música e eu para escrever, encontrei outros parceiros, outras pessoas que cantaram minhas músicas, mas tudo que fiz foi por conta da literatura.

L- Como você sente as relações humanas? E como esse sentir reflete na sua literatura?

E- Já fui muito aberto, creio que mais simpático em relação a outras pessoas, mas tenho (infelizmente) me fechado, tenho sentido tanta falta de ternura e gentileza, o diálogo perdendo para o grito, relações que nascem e morrem sem ter nada de bom para ser lembrado, pessoas que julgam as outras tão somente porque elas são do nordeste ou do sul, por uma foto. Tudo isso tem me retraído, pouco a pouco fui perdendo alegria da convivência, gente me faz sentir medo, medo me machucarem, de perder a fé na beleza que é conviver em grupo, às vezes penso que o elevador de serviços é o melhor lugar do mundo, não se corre riscos.
A banalidade como a vida é tratada é muito assustador, mas com o tempo se aprende a gostar do gênero humano mais de que de pessoas, selecionar melhor quem desejamos perto do nosso coração, amar e perdoar, porque sentir tudo isso não nos transforma em santos, somos todos pecadores e bem pecadores, talvez e certamente alguém me olhe e sinta tudo isso que acabei de dizer em relação também a mim.
Minha literatura não é autobiográfica, no entanto a maneira que vejo o mundo também se reflete nela, às vezes quando escrevo poemas suaves e esperançosos sou eu dizendo para mim mesmo que devo seguir em frente, ter esperança em mim mesmo, olhar a vida e sorrir para o melhor que sou e tentar nunca machucar pessoa alguma, sou a minha parte, meu sereno e alegria.

L- Agradecemos por sua gentileza em nos atender, foi bastante proveitoso para nosso trabalho sobre literatura brasileira, muito obrigado mesmo!!!

E- Eu que agradeço, muito obrigado pela leitura dos meus livros, bom saber que tão longe sou lindo, paz e alegria sincera sempre!

Ediney Santana escreve regularmente nos seguintes blogs:
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