Ediney Santana |
Pondero
quase sempre em minhas resenhas o fato do sujeito ter ou não alguma coragem
para escrever. Não que seja isso um pré-requisito. Mas, quando o assunto é
opinar sobre livros que gosto, prefiro acreditar que sim. Que boa parte se
resume a isso, além de todo o bla bla bla teórico sobre estilos e influências.
O escritor Ediney Santana veio para confirmar minha
louca teoria. De que, sem vontade, sem algum tipo de sentimento genuíno, ou sem
coragem para por num papel o que de fato nos comove, publicar um livro se torna
arriscado. E se pode pagar um preço muito alto pela propensa ousadia.
Vejamos: leio, agora com menos frequência, textos em que pessoas
defendem o status de maldito de seus objetos de resenha. É tudo muito simples:
se o artista optar por fazer prosa, ele deve pegar um ou dois personagens,
enfiá-los numa situação sujinha e pronto. Sendo poesia, ele deve escrever
textos que ninguém compreenda, recheados de palavrões ou, coisa mais arriscada
ainda, tentar fazer poesia com a simplicidade do Bukowski, como se
estivesse contando uma breve história de dor e dúvida.
O problema é que a dor e a dúvida muitas vezes não passam de recalques.
Ou daquele fingimento que tanto se conversa por aí. É preciso um pouco de caos,
amigos. E de alguma estrada tortuosa.
Em seu Evangelho do Mal (compre aqui https://www.clubedeautores.com.br ), o rapaz que fez “do mundo um delírio errante”, nos
mostra que, se você escolheu essa escrita, ou se ela te escolheu, como acho que
foi o caso dele, tenha força o suficiente e se liberte dos grilhões – sei que
essa frase é de uma obviedade terrível - e de todo o receio que te cerca.
Arrisque, ainda que isso implique no total estranhamento de sua obra. Ou num
estranhamento parcial, de uma maioria canhestra que sonha em ser maldita no
playground do prédio – isso tudo enquanto o vigia cochila e os cães cercam suas
belas varandas.
Ediney, que é
autor de outro belo livro de poemas, Anfetaminas e Arco-Íris (compre aqui: https://www.clubedeautores.com.br) , não
pede licença. E segue com sua dor, seus berros, seus devaneios mortais e
mordazes. Tem talento também para criar imagens líricas sem derrapar. Um
sujeito que, se não estiver me enganando - no que de melhor a palavra engano
abarca -, saca que esperança não é bem aquilo que nos mostra os especiais de
fim de ano da televisão. Muito menos a bondade sacal e emplastrada de velhas
senhoras em seus jantares beneficentes.
Claro que em suas 117 páginas ele não se resume somente a isso. Como de
hábito, o autor homenageia ídolos sem recorrer a técnicas batidas e cutuca o
engessamento pela fé (Imagem e Semelhança, página 33). Aborda temas de
cunho social, sem usar da lógica obtusa de quem supõe ser a literatura uma luta
de classes com algum estilo (“Na campina branca / o sertanejo / ara a terra
como quem / prepara a própria cova... / Na fábrica triste o / operário aperta /
botões como quem / reconhece a si mesmo” – Iguais, página
53); fala do amor, numa boa. Além de tirar um grande sarro com o satanismo (Lam
od ohlegnave o, página 54), se é que a intenção foi mesmo essa.
Sua linguagem permanece com o mesmo vigor. Suas experiências com o nosso
idioma continuam a não serem meramente repetições de recursos literários:
possuem vida própria; suas metáforas se encaixam, abrem possibilidades (...”Poetas
existem / para quebrar vidraças e fazer rir os palhaços” – Poetas,
poemas e poesia, página 57). Ele tem a manha. Entende do riscado, só
precisando mesmo ter bastante cuidado com questões mais práticas, nem por isso
desimportantes, tais como revisão dos textos e no uso de termos estrangeiros.
Mas foi a dor que me pegou de jeito. Foi essa dor, que não tem nada a
ver com algo piegas e choroso, que me motivou a escrever isso aqui. Claro,
espero não estar limitando a visão de sua obra, já que, como ele mesmo diz, sua
intenção foi escrever sobre as “contradições da sua época”.
Sabemos, eu e você, que poesia para ser boa não precisa ser dolorida.
Nem tão somente ser um mero encaixe de palavrinhas que rimem ou que tenham um
efeito sonoro qualquer. Ela pode ter leveza e nos erguer do chão. Pode ser
hilária e festiva, nem por isso menos genial e marcante, tal e qual uma puta
comemoração setentista que continua atravessando décadas, como certamente Waly
Salomão queria que fosse. Pode ser até mesmo um poema-piada.
Mas nunca deve ser tão somente uma piada.
E Ediney pode parecer até exagerado em alguns momentos.
Só que, mesmo no seu exagero, nas suas metáforas corrosivas, bem como naquelas
em que o mundo do imaginado cabe de sobra, ele sabe o que faz. Ainda que um ou
outro texto te incomode, saiba que ali existe uma verdade. Que pode não ser a sua,
nem a minha. Mas que é uma verdade bruta, exposta da melhor forma possível, por
um sujeito que sentiu o que escreveu.
Fonte:http://www.verbo21.com.br/v1/index.php?option=com_content&view=article&id=290:mordaz-sso-gustavo-rios&catid=126:resenhas-e-ensaios-fevereiro2009&Itemid=129
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