sábado, 8 de março de 2014

O Evangelho do mal

Ediney Santana
 Conheci Ediney Santana num Teodoro Sampaio (colégio de ensino médio) decadente e sem dono, durante os confusos anos da década de 1990 em Santo Amaro-BA. Militante político que, se algum momento esmoreceu, jamais desistiu de sonhar uma nova possibilidade. Caminhávamos, aparentemente, por vias completamente antagônicas, até que o destino (se é que podemos chamar assim) nos brindou com sua carga de ironia ao nos colocar lado a lado numa pista estreita, dividindo o espaço e não lutando por ele, mas ainda distantes da reta de chegada. A lembrança mais vaga que carrego comigo é vê-lo proferir sua verve embriagada de versos catárticos num show (ou melhor, num som) da sua antiga/sempre banda Som Marginal – que depois se tornariaFlor Marginal.
Acredito que, assim como eu, ele vivenciou uma mistura de honra, prazer e acerto de contas com o passado no projeto conjunto SOB PRESCRIÇÃO (2006), com a participação do companheiro Jorge Bóris, um livro onde publicamos nossas crônicas, contos e poesias. Ali criamos nossos alicerces e solidificamos o que temos de melhor: a cumplicidade. A parceria Renata (“ou canções dentro da noite escura”) evidencia essa unidade. Ediney Santana se tornou um amigo, um grande amigo, integrante recente do seletíssimo grupo MEIA DÚZIA DE CINCO, um dos que vejo de quando em vez no Bistrô do Miúdo, nas conversas sem intrigas em mesa de bar; no entanto não posso considerá-lo apenas por esses esporádicos encontros, seria leviano demais, até porque, parodiando Dado Pedreira, como biriteiro eu não sou exemplo pra ninguém - felizmente. Nos aproximamos através de outras afinidades: músico/literal e um desejo de fazer acontecer, de movimentar a engrenagem, de espanar a poeira que adorna os estanques. Colaborador constante do fanzine O Ataque, entre outros sites e jornais, com seus textos provocadores e delicados. Sua eterna inquietação encontra par somente nas descobertas e devaneios da juventude (“Smells Like Teen Spirit”), uma rebeldia sim, mas uma rebeldia consciente, exemplo que deveria ser seguido pelas novas gerações santamarenses, castigadores que, sem querer ser careta, se perdem na intera do fino e na falta de criatividade até para a decadência.
Ediney Santana encarna naturalmente, e melhor do que ninguém, o estilo ame-o ou deixe-o; e as flores, com a sua dualidade de espinho e pétala, a fúria e o doce, permeia intencionalmente sua obra poética; seja em CANTATA (1999):

Fui lançado sem vida
Entre as ervas daninhas
Satanás nasceu entre
As flores negras dessa lenta agonia
Quem sabe das flores
As mais belas traições
Nos títulos de ATÉ QUE A ETERNIDADE NOS UNA (2002):

Os Pardais; Flor de Lótus; Jardim das Saudades; Jasmins; As Flores e o Espelho

Ou nos do inédito ANFETAMINAS E ARCO-IRES (que “acidentalmente” li):

Lírios do Campo; Lírios e Arame Farpado; Luzes e Sonhos no Jardim da Infância

Já em O EVANGELHO DO MAL (2004) são só espinhos:

Uma flor medrosa vai nascer
Sobre sua sepultura fria

De todo lugar brota miserias

Entre nós amor e espinhos,
Espinhos e amor

Meus olhos são orquídeas
Cheios de veneno e saudades

Ah! Teu corpo bailando em minha pica
Como uma flor ao vento...

Flores no velório
Flores na solidão dos dias (...)
Flores, amargas flores

Devorei sementes solitárias de mel e espinhos

Meu mundo bizarro de flores
Eu arame, amores de vidro (...)
Cultivo flores amarelas
Na febre dos meus crimes

Confesso que tenho um carinho especial em sua obra pelo livreto CARTAS MENTIROSAS (2004), não sei se devido ao formato pocket (que me agrada bastante) ou se pela infinidade de referências (Ana C., José Afonso, Maiakovski, Jorge Amado, SDM, U2, Fernando Pessoa...). Talvez porque as cartas não sejam nada mentirosas, e esta, sim, é a grande mentira: tudo é totalmente real e palpável (como o próprio Ediney diria, verdades são mentiras vestidas de azul). São contos/crônicas em que ele avalia o seu tempo, seu passado recente e remoto, do Chafariz da Purificação a Mundo Novo, da cadeira do Vô Leovogildo a Praça da Bandeira (digo, pracinha do fundo da prefeitura). É um trabalho que, agora relendo, muito me emociona.
Camarada Ediney Santana, somos o trapo do pedinte e a roupa nova do rei (o rei é mais bonito nu?), somos senhores e servos dos nossos dias, somos laetitia e melancolia. Somos o que há de melhor e pior. Que o futuro nos conserve assim, e que nos reserve uma garrafa de vinho e uma gargalhada jocosa na cara dos que desdenham. E se Deus realmente não perdoa os inocentes, certamente estamos (estaremos) salvos do seu tridente.
Pra terminar sem clichês ou frases de efeito, um poema escrito no Bistrô do Miúdo:

(Flor Marginal no 02)

Para Ediney Santana


Flores astrais,
Flores marginais,
Nos canteiros,
Nas calçadas,
Nos bares,
Nos jardins.

Flores em mim.

Flores de plástico,
Por todo lado,
Em todo lugar,
Em todo espaço,
Por todo sempre.

Flor que se cheire.


Por : Herculano Neto
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